sábado, 10 de outubro de 2009

A lagartixa Zé

O vento quente bate-lhe na pele seca queimando o rosto. A terra semideserta arrasta-se à sua frente. Eram já dez horas da manhã e com receio de ficar muito tempo exposta ao sol a lagartixa Zé apressa-se em procurar comida.

Sozinho e sem ter se alimentado ainda, Zé ouve a barriga roncar. Admira o sol que reina no céu azul com seus raios quentes. Para um instante nessa contemplação. Fosse cedo da manhã seria bom estar a olhá-lo e a se aquecer. Ensinaram-lhe a admirá-lo com respeito; pois ele também trazia a morte rápida dos répteis pelo superaquecimento da mucosa da pele. Certo disso,continua sua busca.

Seus pés começam a sentir certo perigo. Lembra-se de fatos contados por seu primo Torote. Um dia a dona da casa em que o primo morava viera com uma vassoura expulsá-lo da lâmpada onde se aquecia. O susto fora tão grande que ele perdera o rabo na corrida. Zé rira da história quando Torote num tom de menino dissera: “Ora, quem mandou a Dona deixar a parede com toda aquela sujeira perto da lâmpada? Eu fui me bronzear, pois pensei que fosse a praia!”. Só o primo mesmo para se sair com essa!... (Ri-se deliciada da lembrança).

Todavia o medo ronda seu interior. O dia se indo rumo ao centro do sol e ele nas areias quentes do sertão nordestino. Ergue um dos pés. Sente vontade de soprá-lo para diminuir o calor. Apenas agita-o no ar e pisa outra vez na areia fervente. Busca na extensão do caminho uma pedra ou uma árvore. Lá para as bandas do nascente visualiza um pé de canelinha. Era o mês de outubro. Deve haver já flores na planta. O coração se anima. Sempre haverá algum inseto perto da floração.

De súbito, uma quietude do ar quente. Zé arregala os ouvidos e espera com o coração querendo saltar pela boca. Sabe o que é e tem medo. O rabo mexe-se desobediente de sua vontade de ficar parado. Olha os pés de canelinha a alguns metros. Sente os movimentos de outro animal na areia.

Não aguarda para ver o predador. Certamente é uma cobra querendo fazer dele seu almoço. Com a respiração ofegante, assustado, corre. Ainda tem tempo de dar uma última olhada a seu rabo que se revira, inquieto, na areia. Bendiz à natureza por ter lhe dado essa estratégia de defesa e esconde-se no meio de algumas pedras dentro do mato verde.

Seria apenas mais um dia na vida de Zé; não fosse a lei da natureza!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Passarinho na gaiola


Volta-se para a janela de madeira _ larga, sorridente _ os olhos carregados de tristeza. Ainda tem resquícios de datas risonhas. Nem todas as horas de sua vida foram como as de agora. Espaça o olhar. Há, ali, bem à sua frente, uma faveira tão antiga quanto o tempo (...).Os galhos abarcam a céu azul; as pequenas folhas encolmeiam-se neles: envereda a apreciar o tom verde. E sonha, sonha com os pássaros nos ninhos; levando os olhos na largura da árvore. O tronco serviria de casinha se pudesse sair dali e caminhar nele.
Não entende o que lhe dizem. As palavras vêm de longe, muito longe. Talvez uma ventania de lembranças o tenha deixado assim: A alma de pé, assanhada, em revolta. Sente-se solitário. Suspira. Imagens do vento ao largo do peito o assaltam. Quer fugir. Ergue o corpo _ cansado! Num gesto errante, abre os braços. O corpo pesa.
Uns grandes dedos mexem em sua água. Há um desejo de guerra. Apenas deita os olhos! Perde a vontade de ouvir e baixa o corpo. Murmura: “Ó Deus!”... Costuma ver aquele homem risonho, de assobio feliz, nas mãos seu alimento. Exatamente naquela hora em que o sol brinca nos galhos da árvore antiga, deixando mistérios no ar. Respira o suave perfume da tarde. Guarda ainda no armário da memória a cor das flores que nem cheiram, mas as pétalas nunca tinham lhe parecido tão aromáticas como agora – já não pode admirá-las!
Parece impossível que lhe peça para cantar. Ele cantaria preso numa gaiola depois de haver voado pelo céu azul- livre? O homem lhe sorri... Os olhos brilham... Sugerem! _ tornam-se meninos, fazem-lhe festa _ Ele gesticula palavras amigas.
A gaiola balança-se no ar presa ao fio que a suspende. Dentro, o curió empina o peito, afina o bico para o céu alaranjado na tarde. E canta; grande, em assobios, em versos; espantando a tristeza da alma.
Nos olhos, porém, o brilho é de vontade de voar...
Publicado no Recanto das Letras em 17/06/2009
Código do texto: T1652809

O mundo de Nena

A irmã entra com o coração na boca: “Mamãe, a Nena sumiu!”. Coitada! Uma criatura que só vivia para a casa e os filhos fica assustada. Já pensa no marido que logo chegará e na surra da menina por mais uma traquinagem. Desta vez não sabia como ajudar. Seria um deus nos acuda. E se o Batista chegasse zangado?

Dentro da mata fechada a menina não suspeitava do que ocorria em casa e nem das preocupações da mãe acerca de sua pessoa. Seu mundo era na imaginação. Deitada em cima de papelões de caixas ela lia Peter Pan. Se Sininho brincava com ela eu não sei. A única certeza que tenho é que os pezinhos dançavam em cima do mato e mesmo encostando-se aos carrapichos devido ao local minúsculo do esconderijo de leitura ela não sentia nada, nadinha. Seu mundo, uma fantasia. Até tentei gritar para ela tal a mãe sempre faz. Hoje mesmo a primeira coisa que a inocente alma materna fez foi gritar a pulmões soltos no ar:”Nena! Vem para casa, minha filha!”.

Todos na rua. Os olhos seguiam os quatro pontos cardeais procurando a direção em que Nena surgiria. Eram já dezessete horas. O sol escondia-se atrás de uma nuvem indagando destas se não viram a menina fujona. Vizinhos respondem que não a viram, mas que se acalmem, pois nada de desastroso teria acontecido ou já teriam sido inoformados. Notícia ruim era a primeira a chegar. Dona Inocência sabia que o mal era o pai chegar antes da menina. A palmatória cantaria nas mãos finas e magras de sua doce Nena.
De repente, Gislene grita com ar de crítica infantil:
_ Mamãe, ela estava esse tempo todo escondida dentro do quintal. Fazendo sabe-se lá o quê...
Nena era uma guerreira de Pan, sobreviveria! E era minha heroína!
Teresa Cristina flordecaju
Publicado no Recanto das Letras em 06/06/2009
Código do texto: T1635281